Fazer música não precisa ser uma competição

 


Não tem como escapar. Quanto mais você lê ou conversa sobre música, mais aparecem as listas dos “maiores” guitarristas, bateristas, cantores, batedores de panela, etc. etc. etc.

O maior compositor de todos os tempos foi J. S. Bach? Foi o Paul McCartney? Será que foi o Tom Jobim? O maior guitarrista foi Jimi Hendrix, o Slash, o Pepeu Gomes ou foi o Joe Satriani?

Pra todo lado que você olha, tem uma lista, um ranking, tem pessoas discutindo quem foi o melhor e parece que é assim que tem que ser, mas não é verdade.

Eu até entendo o por quê das listas e rankings: elas são ótimos roteiros para aqueles que estão começando a conhecer um novo ramo da música e querem ouvir músicos que são reconhecidos dentro daquele ramo.

Pra quem está aprendendo a tocar bateria, por exemplo, ter uma lista dos “melhores bateristas” é um ótimo guia pra ir atrás de referências sobre o que é “tocar bem”.

Geralmente, essas listas reúnem aqueles (ou aquelas) que são vistos pelos músicos ou pelos ditos (ou autoproclamados) especialistas como aqueles músicos que se destacaram na sua área.

Nenhum problema até aí.

O problema começa quando as pessoas começam a levar a sério essa brincadeira e isso se torna mais uma batalha de egos do que uma conversa sobre música.

Sinceramente, você pode até gastar umas boas horas discutindo nesses grupos sobre música se a melhor banda de rock é os Beatles ou se é o Led Zeppelin, mas o que isso vai mudar na prática?

Você vai deixar de ouvir Led Zeppelin se vocês chegarem à conclusão que os Beatles foi a “melhor” banda? Vai jogar fora todos os seus CDs e limpar todas as suas playlists até ouvir só e unicamente a música dos Beatles?

E se você não vai fazer nada disso, por qual razão é tão importante eleger “o maior” ou “a maior”?

Imagina só que vida chata seria ouvir só os Beatles! E olha que eu sou fascinado pelo trabalho e a história deles.

John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Star (na bateria) visivelmente preocupados por não serem considerados a melhor banda de rock do mundo pelo Joãozinho da rua de cima.

A grande beleza da música está na sua diversidade.

Hoje você acorda super afim de ouvir Foo Fighters, de tarde alguém te manda um video no whatsapp com uma música dos Bee Gees e você fala “cara, esses caras tinham umas músicas muito legais” e já abre uma playlist no Spotify pra ouvir mais e de noite você se encontra com amigos e passa a noite cantando sucessos do Chitãozinho e Xororó.

Estou exagerando ou você é assim também?

Cada música tem um clima. Cada música te lembra de momentos diferentes da tua vida. Cada música te faz lembrar da pessoa que te apresentou ela ou de uma viagem que você fez.

Tem música que te dá vontade de dançar, tem música que te faz querer ligar pra uma pessoa com quem você não fala faz tempo, tem música que te faz ter vontade de cantar ou aprender a tocar em algum instrumento da sua preferência e tem música que dá vontade de ouvir com cara de intelectual na frente de uma lareira enquanto fuma charuto.

Você não está ficando louco nem tem um sério problema de múltiplas personalidades. É assim mesmo! Cada um de nós carrega várias “identidades”, várias facetas de como queremos estar no mundo e pra cada uma delas, há uma playlist que faz a gente querer viver aquele momento de forma mais intensa.

Mas, pra mim, o ponto mais importante nem é esse.

Pra mim, o grande problema dessa ideia de que não existe espaço suficiente para mais de um no topo dessa assustadora e traiçoeira montanha chamada música é que é muito comum que as pessoas se sintam intimidadas pela competição toda e prefiram não se envolver com práticas musicais muito de perto.

Parece que a música é um tipo de prática que você só deve participar se for pra disputar seu lugarzinho no topo e isso não poderia estar mais longe da verdade.

Historicamente, a música só passou a ser uma espécie de monopólio dos músicos há alguns séculos atrás (posso voltar nesse ponto em outro post, se vocês pedirem com educação). É muito pouco tempo pra um tipo de prática que tem aí seus mais de dois milhões de anos (é sério!).

Na maior parte da história da humanidade, música era algo compartilhado por muitas pessoas de uma mesma comunidade de forma que cada uma delas sabia se envolver em todas as muitas formas de se envolver com música possíveis: escutando, dançando, tocando e até compondo, improvisando.

É assim em muitas comunidades ainda e há até um país em que TODOS os cidadãos sabem ler partitura, que é a Hungria. Você acha que todo mundo na Hungria nasce “talentoso” e com “dom” pra música? Claro que não! Eles aprendem música na escola e se reúnem nos parques nas horas de folga pra cantar alguma música coral (cada um traz sua partitura e cantam juntos).

Música, em última análise, é uma forma de estar junto. Seja em volta de uma fogueira, em volta de um aparelho de som, em volta de uma casa de shows, um bar com música ao vivo ou uma sala de concerto, a música cumpre muito bem o papel de reunir pessoas para conversar, interagir e celebrar o prazer de se reunir ouvindo músicas de um repertório mais ou menos comum àquelas pessoas.

Ela também é uma forma de te inspirar, de te levar a estados emocionais novos ou reforçar aquele que você sente agora.

Enfim, quando pessoas tratam música como se fosse um torneio pra ver quem toca mais rápido, que música tem mais (e mais “difíceis”) acordes ou quem vendeu mais discos (ou mais downloads), acabam olhando para um dos aspectos menos importantes.

A música é feita de sons, mas a sua matéria prima são as pessoas. E é isso que faz ela tão encantadora.

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